Quem pode perdoar os pecados?

Data: quinta-feira, 8 de abril de 2004

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Lembramos o Evangelho de Marcos:

"Vendo-lhe a fé, Jesus disse ao paralítico: Filho, os teus pecados te são perdoados".

"(...) Isto é blasfêmia" - bradaram os escribas.

"Qual o mais fácil?" - interrogou Jesus, lendo seus pensamentos: "Perdoar pecados ou ordenar: Levanta-te, toma o teu leito e caminha?

"Para que saibais que o Filho do Homem tem autoridade para perdoar pecados, eu ordeno: Levanta-te, toma o teu leito e vai para tua casa". Marcos, 2 vv 5 a 12.

Pelo jeito, esta polêmica vem de longe.

E Jesus estendeu este poder aos seus legítimos seguidores:

"(...) A quem perdoardes os pecados, os pecados lhes serão perdoados(...)". João, 20 vv 21 e 23.

Encontramos na própria palavra "perdoar" a real explicação do poder que o Mestre exerceu...e delegou.

Decompondo o verbo "perdoar" nós encontramos a raiz "per" e o complemento "doar".

Ora, "per" significa "plenitude".

"Doar" é o ato de entregar algo, sem exigir nada em troca.

Perdoar significa, portanto, doar a plenitude.

Agora uma coisa precisa ficar bastante clara:

Só poderá doar a plenitude aquele que possui plenitude.

Judas Iscariotes pertencia ao grupo dos doze apóstolos.

Será que ele tinha suficiente "plenitude" para distribuir aos outros?

O questionamento começa por aí.

Não bastava ser um dos doze apóstolos, para exercitar este poder.

Antes de tudo, o servidor precisa adquirir bagagem.

Huberto Rohden, no seu livro "Filosofia Cósmica do Evangelho", nos oferece valiosa fonte de reflexões:

"O poder de perdoar (...) não é transmissível no plano horizontal humano. Ele é entregue ao homem idôneo pela vertical divina".

"No caso de que alguém me abrisse as portas do Céu, sem que eu tivesse amadurecido, o Céu se transformaria, para mim, num verdadeiro Inferno".

"Eu me sentiria totalmente desambientado naquele Céu infernal".

É por isso que muita gente brinca: O inferno é melhor, porque é uma festa.

Em nossa imperfeição, nós estamos mais perto do inferno.

Se o inferno teológico realmente existisse, a gozação seria correta.

O pecado ainda é, para os humanos, uma aventura excitante.

Nós só despertamos quando nos sentimos encurralados.

É neste ponto que brota a urgência da "per...doação".

Nem mesmo Jesus poderia doar a plenitude ao paralítico se o paralítico não tivesse amadurecido.

O texto em Marcos é bastante claro:

"Vendo-lhe a fé", Jesus o perdoou.

Estas palavras "Vendo-lhe a fé" esclarecem a razão de que o Mestre o tenha privilegiado com a "per" "doação"...

Temos aqui uma estrada de mão dupla: Doador e receptor - ambos precisam alcançar as condições ideais para o intercâmbio.

Alguém poderá imaginar Judas Iscariotes absolvendo pecadores?

Além de traidor, Judas foi apontado como ladrão.

Portanto, mais uma constatação: não é a "ficha cadastral" no Colégio Apostólico que fornecia poder.

Antes de tudo, o apóstolo deverá ser fruto da postura ética.

Religião alguma na terra poderá transformar malandro em sacerdote.

Muitos pedófilos que abusam de crianças continuam distribuindo absolvições.

Existe uma outra contestação:

Por que os sacerdotes tiram o pecado de tanta gente, quando Jesus perdoou tão poucos?

É mais uma certeza que não basta o distribuidor da benesse.

Existem restrições, também, na parte do pecador: Ele precisa demonstrar seu desejo de "cura" da alma.

Por isso Jesus distribuíu a plenitude para poucos.

Hoje, assistimos um festival de absolvições sem o menor critério.

Aliás, sobre o assunto cabe uma pequena estória:

O sacristão chegou ao confessionário, e disse ao padre:

- Reverendo, eu me acuso de ter furtado dois sacos de arroz do depósito da igreja.

- Não pode ser, filho! - disse o padre. Falta apenas um saco!

- É que na semana que vem eu levarei o outro...E assim, já fico perdoado por antecipação.

A estoriazinha mostra a razão de que Jesus tenha "per" "doado" tão pouca gente.

Absolvições por atacado acabam favorecendo o crime.

Na conta-corrente do perdão fácil, o sacristão já se considerava dono de mais um saco de arroz.

Não se iludam! Cerimônia alguma desmancha o pecado.

Se nós conservarmos o cálice do nosso coração repleto de vinagre, faltará lugar para o vinho novo da misericórdia de Deus.

Cálice cheio transborda e o vinho se perde.

É preciso que o pecador esvazie seu cálice.

É preciso que o pecador reconheça sua miséria.

O arrependimento é fundamental.

Eu ofendo alguém, e peço desculpas...

No dia seguinte, repito a mesma agressão.

Fica muito claro que o perdão não é cabível.

Numa das minhas palestras, eu disse que Dimas, o Bom Ladrão, foi "iluminado" por Jesus.

Um dos assistentes me perguntou se "iluminação" e "per" "doação" seriam a mesma coisa?

Sem dúvida, Dimas foi um dos premiados com a "plenitude".

"Per" "doação" e "iluminação" são sinônimos.

Esta permuta, no entanto, não é privilégio de uma religião.

A "per" "doação" exige apenas o encontro de dois espíritos em situações bem diferentes:

Um deles está rondando o portal do Nirvana...

O outro encontra-se no derradeiro degrau do abismo...

Por uma "estranha coincidência", as duas linhas se cruzam e a explosão ocorre:

Jesus e Dimas, no alto da Cruz...

Jesus e Maria Madalena, na casa de Simão, o Leproso...

Antonio de Pádua enxergou o embriagado se aproximando.

Ele caminhava vacilante e trôpego.

Tinha no rosto congestionado "trezentos" anos de solidão.

Chegara ao fim do poço.

Encontrava-se vazio, por dentro e por fora...

Antonio de Pádua, compadecido, teve uma visão.

Correu para ele, e ajoelhou-se, em sua frente.

Tomou lhe as mãos, beijou-as, e lhe disse:

- Bem-aventurado és, meu irmão, porque serás um dos mártires do cristianismo!

O bêbado retornou ao seu casebre mais morto do que vivo.

Depois do encontro, algo dentro dele explodiu...

Parou de beber... e começou a estudar...

Viajou para a China, como missionário, e morreu, gloriosamente, divulgando o Evangelho do Cristo.

Antonio de Pádua enxergou uma visão profética, mas foram suas palavras que despertaram aquele homem.

Aconteceram as duas coisas.

Independente de sua religião, os grandes videntes percebem no rosto das criaturas sofredoras o momento do perdão.

Aquele sacrossanto minuto em que o botão se abre tem que ser aproveitado.

Antonio de Pádua se aproximara do bebado na hora da verdade.

Derramou sobre ele as "águas vivas".

...E o viciado de ontem se transformou em apóstolo.

É desta forma que nós interpretamos as palavras de Jesus:

- "A quem perdoardes os pecados, os pecados lhes serão perdoados".

No momento que jogarmos para fora o vinagre do orgulho, contido em nosso cálice, receberemos o vinho novo da redenção.

O mistério foi desfeito...

Como as frutas em nosso pomar, parece que nós também teremos a nossa hora para amadurecer?

Foi um escândalo quando Maria Madalena se ajoelhou aos pés de Jesus, na casa respeitável de Simão, o Leproso.

Todos estavam atônitos pelo atrevimento da prostituta.

Jesus percebeu o desapontamento, e perguntou ao fariseu:

- "Estás vendo esta mulher?"

"Entrei na tua casa, e não me deste água para os pés. Ela, porém, regou-me os pés com suas lágrimas, e enxugou-os com os seus cabelos".

"Não me deste o ósculo de boas vindas. Esta, entretanto, não cessa de beijar meus pés, desde que aqui entrou".

"Não me ungiste a cabeça com óleo, mas ela me ungiu com bálsamo"

"Por isso te digo, Simão: a ela serão perdoados os pecados porque muito ama".

Voltando-se para Maria Madalena, o Nazareno lhe falou, enternecido:

"Os teus pecados estão perdoados, mulher!"


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