O Décimo Terceiro Apóstolo

Data: quinta-feira, 8 de abril de 2004

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Na hora nona, no último instante, Jesus acolheu mais um apóstolo...

...E este apóstolo, se quisermos montar uma frase de efeito, foi o único fiel até a morte.

Simão Pedro o negara três vezes.

João, embora presente, mostrava sinais de desalento.

Nicodemos mantinha-se à distância, discreto, como sempre.

As três "Marias" choravam, ao pé da cruz, inconsoláveis.

Os demais apóstolos se dispersaram, apavorados.

O sonho se dissipara diante da crueldade dos judeus.

Ninguém acalentava a menor esperança.

Era preciso reconhecer: o Sinédrio vencera!

O suplício da cruz constituía-se na mais humilhante forma de castigo romano.

A crucificação era reservada aos piores criminosos.

Ela tornara-se o símbolo da ignomínia e da vergonha.

Até os herdeiros do réu ficavam manchados por aquela forma execrável de morrer.

A crucificação deixava marcas profundas, até mesmo nas gerações futuras.

O que aconteceu com Jesus, portanto, era uma tragédia irreparável.

Aquele homem coberto de suor e sangue não podia ser considerado um vencedor.

Pelos padrões do planeta Terra, Ele não passava de um derrotado, o último dos homens.

Neste momento, todavia, quando todos tinham seus olhos úmidos, e a mente vazia de esperança, uma voz se fez ouvir:

- "Jesus, lembra-te de mim, quando entrares no teu reino!". Lucas, 23 v 42.

Como pode alguém ter visto o rosto de um Rei atrás daquela máscara sanguinolenta?

Quem creditaria nobreza para alguém pregado na cruz?

Quem teria olhos para enxergar, além das aparências, o Cristo reinante?

Tinha que ser alguém clarividente: No Jesus andrajoso, suarento e ferido, só ele percebera o Cristo Glorioso.

Esta clarividência redimiu aquele homem...

...e Jesus de imediato lhe concedeu o galardão:

"Em verdade te digo, ainda hoje estarás comigo no paraíso".

Imaginem vocês o quanto foi gratificante, para Jesus, a manifestação do discípulo tardio?

Ele sabia muito bem que naquele momento de ajuste sua figura não inspirava mais que compaixão e piedade.

Os próprios discípulos que o Mestre doutrinara, desde a Galiléia, não compreenderam sua rendição voluntária.

Eles não tiveram sensibilidade para ler, na consciência universal, a importância dos passos do calvário.

O suplício os dispersara, chorosos,"como ovelhas sem pastor".

Inegavelmente, o estranho colega de cruz salvara aquela tarde de sexta-feira.

Outra coisa curiosa: a reação do malfeitor crucificado.

Em Mateus, 27 v 44, ele acompanha o colega de suplício, insultando Jesus.

Pouco depois, Ele mesmo o repreende:

"Para nós o castigo é justo. Este porém não fez mal algum".

Lucas, 23 v 41.

Num curto espaço de tempo, as escamas que obstruíam sua visão foram desaparecendo.

Os olhos do pecador cruzaram-se com os olhos do homem sem pecado...

... e o milagre ocorreu, na esfera espiritual.

Aqui eu emito minha própria opinião: Nas cercanias da cruz, não havia ninguém tão sublimado quanto aquele malfeitor...

Havia curiosos.

Havia indiferentes.

Havia rancorosos adversários.

Havia pessoas sinceramente consternadas.

Havia apóstolos desprovidos de confiança e de fé.

Ele era o único clarividente que devassara os arcanos e percebera o poder e a glória do Cristo!

Aos devotos de todas aquelas figuras ilustres será difícil aceitar esta minha conclusão.

A despeito desta oposição de alguns, porém, com absoluta convicção eu reafirmo:

Naquela manhã de sexta-feira, o ladrão regenerado tornara-se uma figura ímpar.

Aquele malfeitor era o maior e o mais ilustre personagem, abaixo de Jesus, naquele momento de ajuste.

Ele teve "olhos de ver" o Cristo, que os outros não enxergavam. Sem ter convivido com o Divino Mestre, aquele homem entendera muito mais de Jesus, do que todos os outros!

Aquele ladrão confesso, julgado e condenado, estava salvo, dentro do grande ciclo.

O Mestre o absolvera!

"Em verdade te digo: ainda hoje estarás comigo no paraíso".

No mundo espiritual, esta figura maravilhosa é um dos assessores de primeira linha.

Até hoje, ele continua batalhando ao lado do Cristo.

Muita gente pensa que para se tornar discípulo é indispensável pertencer a uma religião, e receber ordens.

Eu não penso assim.

O Apóstolo Paulo não pensava assim.

Jesus também não partilhava esta idéia.

Lembremo-nos da posição do Mestre, quando os discípulos acusaram alguém de expulsar demônios sem pertencer ao grupo.

Ele foi taxativo: "deixai-o fazer", ordenou Jesus.

Todos nós, meus amigos, somos defrontados por três caminhos, para nos tornarmos discípulos:

O caminho da dor,

O caminho do amor, e o

...caminho da iluminação.

Dimas, o bom ladrão, foi defrontado por este último caminho.

Ele foi iluminado.

Seus olhos se abriram para a luz, e ele absorveu toda a luminosidade.

Bastou um átimo de segundo, e ele percebeu tudo.

Quase todos nós, meus amigos, vivemos a mesmice do nosso dia a dia...

A pasmaceira do cotidiano nos apara as asas de elevadas aspirações... e sonhos.

Somos pigmeus eretos.

Passamos pelas mesmas ruas...

Desviamos o rumo pelos mesmos atalhos.

Distraídos, não percebemos uma placa, que foi pregada na esquina da nossa imaginação.

Durante anos, rolamos na vida, sem ver este aviso com suas letras douradas.

De repente, numa noite de tempestade, somos obrigados a passar por aquela esquina escondida da nossa imaginação...

As trevas dominam aquela rua.

Neste momento, um relâmpago ilumina os dizeres da velha placa, e então, pela primeira vez, deparamos o aviso.

É isto, meus amigos, que eu chamo iluminação!

Enquanto a claridade se espalha profusamente, dispersamos a nossa visão, enxergando muitas coisas ao mesmo tempo.

Todos os pontos cardeais são visitados pela nossa curiosidade.

A rosa dos ventos da nossa imaginação gira enlouquecida.

De repente, porém, quando o estrondo da tempestade apaga as luzes...

...e nos perdemos na escuridão, nossa cegueira é salva pela luz do relâmpago.

Ela desce exatamente sobre aquela placa.

E acabamos lendo o aviso que se manteve desconhecido durante muitos anos.

"Amai-vos uns aos outros" - eis as palavras que estão escritas naquela placa.

Em letras douradas, a frase de Jesus aparece diante de nossos olhos.

A iluminação do espírito ocorre em períodos de turbulência.

Dimas, que a tradição apelidou de "Bom Ladrão" foi atingido naquela tarde cinzenta de sexta-feira.

Saulo de Tarso tombou do cavalo, cego, na estrada de Damasco.

A vocação para o apostolado é sempre fruto de uma intensa revolução interior.

Ela não ocorre, enquanto não atingirmos determinada frequência, na mente e também no coração.

Por isso, o Evangelho é claro:

"Muitos são os chamados, mas poucos os escolhidos".

A convocação abrange todo o mundo: Homens e mulheres, ricos e pobres, sábios e iletrados, negros, brancos e amarelos.

Não há barreiras: nem sexo, nem raça, nem condição social e econômica, nem diferença cultural.

Faculdade de Teologia não conta.

Ajuda, mas não é essencial.

Vale muito ter cultura; mais importante, porém, é ser bom...

...É saber amar!

"Um novo mandamento vos dou: que vos ameis uns aos outros, tanto quanto eu vos amei.

Nisto conhecerão todos, que sois verdadeiramente meus discípulos".

João, 13 vv 34 e 35.

Leon Tolstoi nos conta a saga de um trio de curandeiros, que atuava numa ilha distante do Pacífico.

Três nativos tão simplórios, que nem mesmo sabiam rezar.

Preocupado, o bispo da diocese resolveu visitar os curandeiros, para ver o que podia fazer.

Afinal, se os três homens faziam milagres, em nome de Jesus, tornava-se indispensável orientá-los.

O bispo ficou escandalizado com a ignorância dos curandeiros.

A reza dos três era esta:

- "Nóis são treis, vois são treis! Bendito seja Deus".

Aquelas frases mal feitas sensibilizaram o bispo.

Por mais que se esforçasse, todavia, ele não conseguiu colocar o mínimo ensinamento na memória dos três.

Eles eram completamente analfabetos.

Repetiu o Pai Nosso, acompanhado por eles, durante sete longos dias...

... E nada!

Desanimado, o bispo resolveu retornar.

O barco já estava longe, quando ele percebeu os três curandeiros acenando freneticamente.

Quando foi atendê-los, eles já subiam lépidos pela proa.

- Esquecemos as palavras da oração! - disse o mais velho, esfregando as mãos, nervosamente.

- Queremos que o senhor nos ensine tudo, outra vez, pediu o mais novo, quase chorando.

- Meus amigos, respondeu o bispo. Podem rezar do jeito que vocês quiserem. Afinal, quem tem poder de caminhar sobre as ondas do mar não tem mais o que aprender.

Imaginem vocês: os curandeiros em desabalada carreira sobre as ondas do oceano, para alcançar o barco do bispo.

É isto aí: cultura pode ser importante, mas não é essencial para ascenção do espírito!

Como escreveu o apóstolo Paulo:

"Se eu falasse a língua dos homens e dos anjos, e não tivesse amor, não passaria de um metal sonoro ou de uma campaínha a tinir."

I Coríntios, 13 v 1.

Faria muito sucesso, muito barulho, muito estardalhaço, mas continuaria vazio, de corpo e de alma.

Jaques Armond desperdiçara toda uma vida, simplesmente gozando a fama e o dinheiro.

Sempre fora rico, e se transformara num boêmio inveterado.

Bebia, namorava e brigava, amanhecendo nos bares.

Na sua visão simplista, Paris era um laboratório, onde ele experimentava o seu poder de sedução.

Quando atingiu a meia idade, porém, um fato não esperado, aconteceu.

Pela vez primeira, Jaques Armond se apaixonou perdidamente por uma mulher.

Pior para ele: Michele de Leoni tinha a metade de sua idade.

Jaques Armond fez tudo para alcançá-la...em vão.

O coraçãozinho de Michele já tinha dono.

Marcel Duprê era o seu namoradinho.

Os dois tinham a mesma idade e os mesmos sonhos.

Nasceram um para o outro.

Jaques Armond descobriu que o seu rival estava preso, nas mãos dos nazistas.

Encontrava-se no corredor da morte.

Só faltava determinar o dia da execução.

Naquela altura, Jaques Armond poderia acalentar esperanças.

Morto Marcel, ele teria mais chances de conquistar Michele.

Era só esperar.

Não foi isto o que Jaques fez, porém.

Algo inusitado explodiu no coração do boêmio de tantos anos.

Daria tudo para ver Michele plenamente feliz.

Salvaria Marcel, a qualquer preço.

A felicidade de Michele tornara-se, para ele, um compromisso sagrado!

A resposta da resistência francesa foi desanimadora:

- Arrancar alguém daquela prisão talvez seja mais difícil do que assassinar Adolf Hitler.

- Sim, eu compreendo, retrucou Jaques Armond. Mas, se alguém ficar no lugar de Marcel, isto será possível?

O soldado da resistência recuou, assombrado.

- Quem trocará de lugar com alguém condenado à morte?

- Eu ficarei no lugar de Marcel - disse Armond. Subornem a guarda do presídio. Ainda esta madrugada, eu quero ocupar o lugar daquele moço.

Dois dias depois, após uma rajada de balas, um corpo tombou no páteo do presídio.

O boêmio Jaques Armond se transformara num discípulo do Cristo, entregando sua vida para salvar outro homem.

Por amor, Jaques Armond se transformara num mártir.

Louvado seja Deus!


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