Rumores de Guerra

Data: segunda-feira, 7 de junho de 2004

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Jamais o nosso mundo foi tão violento, e possuíu tantas armas de destruição em massa.
Será que não somos capazes de eliminar a violência?
Ninguém duvide: há quem faça sua parte.
Aquela jovem, meus amigos, não tinha aparência de missionária.
Apertando o violino, junto ao corpo magro, Catherine Geach adentrou o consulado, pronunciando palavras ensaiadas.
- Senhor, eu quero ir ao Camboja tocar violino pela paz.
Quase hostil, o funcionário carimbou seu passaporte.
A jovem de dezoito anos não tinha idéia do que enfrentaria. Logo que chegou a Phnom Penh, o fantasma da guerra
desmoronou sobre ela.
No campo de morte de Choug Ek, ela viu santuário construído com crânios de guerreiros, substituíndo tijolos.
Apesar do espanto e do pavor, Catherine não desanimou...e começou seu trabalho.
Moça de apenas dezoito anos, sozinha, movida tão somente por um ideal fraterno...
Será que aquele sonho poderia se tornar realidade?
Em fevereiro de 1994, três anos após sua chegada, Catherine iniciou a construção da escola de música...
Seus clientes - órfãos e mutilados de guerra...
Com poucos recursos, a obra se arrastou por longo tempo.
Foi nesta altura, que apareceu aquele menino assustado:
Sim Sameth perdera as duas pernas, na explosão de mina.
Catherine o recolheu e tratou.
Traumatizado pela guerra, o garoto não tinha reflexos...
Passou semanas e semanas quieto, em seu canto.
Somente os grandes olhos mostravam que ele vivia.
Em absoluto silêncio, o menino observava os demais.
Usando muletas, algumas crianças tocavam "xilofone", enquanto outras cantavam e batiam tambores.
Umas não tinham braços; para outras faltavam pernas.
Catherine criara um oásis, no meio daquela guerra suja...
...Um remanso de paz no centro da violência...
...Uma luz na escuridão daquelas vidas.
Com certeza, iniciativas como estas arrastam os anjos ao encontro da Terra?
E com os anjos chegam, da mesma forma, generosas idéias.
Catherine teve uma inspiração:
Colocou nas mãos de Sim Sameth o "tro sau", que equivale ao nosso violino.
"Pacientemente, ela posicionou as mãos do garoto, para que extraísse música (...)".
E lá se foi um longo aprendizado.
O tempo passou, todavia, e Catherine recebeu a recompensa.
Em concorrido festival, Sim Sameth liderou as demais crianças, tocando o "tro sau" e cantando o "Sat Mahouri", que arrancou aplausos.
A letra da canção, proibida pelo Khmer Vermelho, conta história de dois pássaros perseguidos por um caçador.
A floresta inteira se une para salvá-los...e a união de todos expulsa o malvado.
Importante ressaltar: pela coragem de Catherine, a música que a tirania proibira fora devolvida ao povo.
Sim Sameth, mesmo sem as duas perninhas, parecia anjo com o violino encostado ao corpo.

Fatos como este renovam a nossa esperança...
Nem tudo está perdido!
A semente do Cristo não morreu.
Esta moça - Catherine - será um anjo?
Com toda a certeza, Catherine é uma das missionárias, a serviço do Cristo.
A mídia deveria estar atenta a exemplos como este.
Divulgá-los com freqüência seria benéfico, para o crescimento da solidariedade.
Exemplos de coragem reforçam a "egrégora" do bem.
Ninguém permanece indiferente, quando escuta uma história verdadeira de abnegação...e de combate à violência.
Todos nós ficamos pelo menos um pouquinho melhores.
Jesus, no Sermão da Montanha, coloca os pacificadores num pedestal:
"Bem-aventurados os pacificadores, porque serão chamados filhos de Deus".
Mateus, 5 v 9.
Algumas Bíblias traduzem "pacíficos" ao invés de "pacificadores", deturpando o verdadeiro espírito da mensagem.
Qual será o vocábulo certo usado por Jesus?
- Eu não quero ofender ninguém, esclarece o pacífico, com voz macia, tentando manter-se longe de qualquer controvérsia.
No meu entendimento, este tipo não pode ser o destinatário da bem-aventurança.
Percebam que ele procura "esconder a cabeça na areia".
Para nos tornarmos verdadeiros "soldados" do Cristo não temos alternativa: covardia não resolve o problema.
Permanecer no "olho do furacão" é caminho obrigatório, desde que a justiça esteja ameaçada.
Pacificador é aquele que exige uma paz incondicional, sem prejuízos para ninguém.
Na Índia do Século Vinte, nós presenciamos uma geração inteira exercendo este modêlo de pacificadores.
Terá existido um exército tão aguerrido, quanto os seguidores de Gandhi?
Acreditamos que não.
E a coisa se torna inexplicável quando sabemos que aquela gente jamais disparou único tiro.
Uma das condições do Mahatma para se tornar um "satyagrahi" era o absoluto zelo pela integridade do adversário.
"Nem insultos, nem gestos violentos, nem cólera".
"Intransigente apenas no campo das idéias".
"O satyagrahi não pode sentir medo do castigo injusto: ele se submete espontâneamente à ordem de prisão".
"Ferido ou espesinhado, o satyagrahi nunca perde a dignidade".
O essencial, para eles, não era a vitória a curto prazo.
Certa vez, alguém apontou o Mahatma como um dos maiores cristãos do século vinte.
Foi uma "gafe", que um biblista cobrou, na mesma hora: Ele não aceitou Jesus ...e, portanto, nem irá para o Céu?
Infelizmente, meus amigos, reações assim acontecem.
Reações sectárias à parte, eu também endosso a mesma opinião: Gandhi foi um dos maiores cristãos do seu tempo.
Ele, como ninguém, estava em sintonia com Jesus.
Em 1930, a Inglaterra proibiu que os indianos extraíssem sal.
O Mahatma atravessou a Índia, a pé, arrimado a um cajado de pastor, para desobedecer ao decreto injusto.
Por onde passava, a coluna crescia.
"Desaparecera o medo.
A polícia tentou intimidá-los, jogando cavalos sobre o povo.
Em Peschavar, os caravaneiros foram metralhados.
Ninguém arredou pé.
Quando a primeira fila tombou, segunda fila tomou o lugar".
Neste caso, a multidão foi dizimada?
Terá restado sobrevivente?
O desfecho do caso foi imprevisível.
Os próprios soldados ingleses desobeceram as ordens.
Presenciando o heroísmo daquela gente, eles se recusaram a continuar atirando.
Numa praia, um estudante sentou sobre o saco de sal, recusando-se a entregá-lo.
Encheram-no de pancadas, mas ele permaneceu firme.
Por fim, o próprio oficial inglês deteve seus homens, e foi apertar a mão do rapaz
- És um bravo, meu jovem. Eu nunca vi fazer-se guerra deste jeito?
A poderosa Inglaterra, de baioneta calada e canhões, já não suportava mais a "não violência" de Gandhi.
Depois destas revelações, eu acredito que ninguém negará o título de "cristão" para esta figura maravilhosa, que foi Gandhi.
Afinal, não foi o próprio Jesus quem disse que não basta dizer - Senhor, Senhor e não fazer o que Deus manda?
Cristianismo, meus amigos, não é apenas alistar-se em igreja.
Cristianismo se define pela retidão...e pela coragem.
E aqui não falamos daquela coragem de violentar os mais fracos, ou esmagar os menos armados.
O verdadeiro nome para isto é covardia.
Quando Francisco Pizarro invadiu o território inca, ele realizou a chacina conhecendo a pouca resistência que encontraria.
Todas as riquezas daquele povo quase desarmado foram carregadas pelas "hordas cristãs" de Pizarro.
Justificativa para o massacre: os incas eram idólatras.
O crime daquela gente: adorar o Sol.
Eu pergunto para vocês: quem terá sido mais "cristão"?
Aqueles que foram vitimados ou Pizarro e seus comparsas?
O padre Arriaga apoiou a chacina em livro: "La extirpacion de la idolatria del Peru".
"Adorar o sol" foi uma desculpa esfarrapada para o genocídio.
Sem conhecer Jesus, os incas viviam fraternalmente, até o momento em que chegaram os "professores" de religião e os destruíram.
Estes "professores" de cristianismo baralharam as lições fundamentais do Evangelho.
Afinal, perguntamos: adorar o sol será crime tão hediondo quanto matar para extorquir os bens dos mais fracos?
O mundo ainda vive este grande dilema: infelizmente, o "dente por dente" mosaico ainda é preceito consagrado.
Até hoje, a mensagem de Jesus não tem sido compreendida.
"Ouvistes o que foi dito: não matarás.
Eu, porém vos digo: todo aquele que se irar contra seu irmão será réu de julgamento"
.
Palavras de Jesus em Mateus, 5 vv 21 e 22.
É tão grande o escrúpulo em aceitar a "não-violência", que existem traduções do Evangelho modificando este versículo 22.
"Todo aquele que" (sem motivo) "se irar contra seu irmão", é redação recente de alguém que acha o Mestre demasiado permissivo.
No original não existem as palavras "sem motivo".
Este "sem motivo" foi concebido para manter o rancor intocável.
Afinal, é fato notório que todos os agressores vão alegar mil motivos para justificar suas agressões.
O ser humano fabrica atenuantes para ofender com classe.
Depois, ele fica repetindo: Eu disse umas verdades para fulano, e ele ficou quietinho, porque sabe que eu tenho razão.
Não é isto que acontece, depois de uma discussão?
Nesta altura do campeonato, todos têm razão.
Movido por "santa" ingenuidade, alguém proclama:
Para solucionar a violência, teremos que mudar o código penal.
Infelizmente, códigos sempre existiram...
...até pena de morte tem sido experimentada...
...e o mundo está cada vez mais violento.
De nossa parte, a solução será sempre o Evangelho.
Aqui alguém poderá dizer que a sua religião tem batido na tecla da "não violência".
João Paulo II chegou mesmo a pedir "perdão" pelos crimes da Inquisição.
Não esqueçamos, todavia, que ela foi defendida e justificada...
...E fez parte do catecismo.
As crianças aprenderam que era lícito matar os que pensavam diferente.
E a história escabrosa da Inquisição está na Internet, "ao vivo e a cores", escandalizando nossa juventude.
Isto é coisa do passado, alguém dirá, argumentando que hoje as religiões pregam o perdão...
Cheios de dúvidas, agora somos nós que perguntamos: Será mesmo?
A forma com que a Bíblia vem sendo interpretada nega qualquer compromisso com a "não violência".
Personagens perversos são venerados como "santos", só porque fazem parte do elenco.
"Exceto Davi, Ezequias e Josias, todos os demais cometeram pecados", diz o livro Eclesiástico, 49 v 5.
Um adolescente dirá:
Este Davi matou Urias, para roubar-lhe a mulher.
Se aceitarmos a Bíblia como cíclica, dá para entender.
O livro fala do pecado de idolatria, que era o único pecado imperdoável naquele ciclo.
Os tempos eram outros: "Numa terra de cegos quem tem um olho é rei".
De minha parte, eu só considero as palavras de Jesus, como infalíveis.
No Velho Testamento, respeitamos as profecias que nos chegaram pela mediunidade dos profetas.
Nós teremos que admitir, para sermos honestos: Alguns livros da Bíblia colocam características bem humanas na figura do Criador.
Dizer que todos os livros são palavras de Deus, e, portanto, infalíveis - é zombar da inteligência dos membros das igrejas.
Escutem palavras de Moisés:
"Matai todos os machos, ainda que sejam crianças, e degolai as mulheres(...), mas reservai para vós as meninas e donzelas".
Números, 31 vv 17 e 18
Estas palavras de Moisés são dignas de um manual de incentivo ao crime.
Quem acha a Bíblia infalível, de capa a capa, está, com certeza, valorizando a violência. Vocês não acham?
A recomendação de Moisés está na Bíblia, com todas as letras.
Tem outra não menos escabrosa do rei Davi:
"Davi feria aquela terra, e não deixava com vida nem homem, nem mulher, e tomava as ovelhas, bois e jumentos(...).
Para que não nos denunciem"
, explica o rei.
I Samuel, 27 vv 9 e 11.
Pelo visto, o rei Davi foi o inventor da queima de arquivos.
Infelizmente, adolescentes podem abrir o Livro Sagrado exatamente nestas frases...
Por isso, eu sempre repito:
Todas as palavras proferidas em todos os livros bíblicos devem ser filtradas pelo gabarito perfeito: Jesus de Nazaré.
Homens imperfeitos não tem capacidade para formulação de oráculos...
...Só podemos confiar em Deus e Jesus.
Além das profecias, no Velho Testamento existe muito ensinamento útil.
Vale estarmos atentos: Qual a reação do Nazareno diante de tais doutrinas?
Para exemplificação, poderíamos trazer dois textos que estabeleçam a diferença entre Jesus...e os outros?
Perfeitamente!
Em II Reis, 2 vv 23 e 24, temos uma do profeta Eliseu:
"Indo"(Eliseu) "pelo caminho, uns rapazinhos (...) zombavam dele(...).
Virando-se, ele os amaldiçoou, em nome do Senhor. Então, duas ursas apareceram(...) e despedaçaram quarenta e duas crianças"
.
Agora, uma passagem de Jesus, flagrantemente contrária:
Tiago e João foram destacados para preparar pousada numa aldeia samaritana.
Os moradores negaram hospitalidade.
"Vendo isto, os discípulos perguntaram: Queres que mandemos fogo do Céu para consumí-los.
Jesus porém os repreendeu, e disse: Não sabeis de que espírito sois"
.
Lucas, 9 vv 52 a 54.
Se a ofensa atingisse Eliseu, ele próprio já teria queimado os samaritanos.
Isto mostra que o enfoque da violência modificou com Jesus.
Ninguém poderá afirmar que a Bíblia seja uma unidade.
Se Eliseu fosse personagem do Novo Testamento, com certeza seria censurado pelo Mestre?
O gesto violento de Eliseu é incompatível com a "não- violência" pregada por Jesus.
Isto é basico em nosso julgamento.
Lembremo-nos que Jesus censurou Tiago e João, pela tentativa de executar o mesmo tipo de vingança.
Não existe mais clima para violência, depois do Cristo.
"Amai os vossos inimigos, e orai pelos que vos perseguem e caluniam".
Lucas, 6 vv 27 e 28.
Depois destas palavras do Sermão da Montanha, a perversidade tornou-se incoerência.
Ou estamos do lado de Jesus, e abolimos a violência...
...ou estamos do outro lado.
Convivemos com a selvageria no Velho Testamento...
...convivemos com a Inquisição depois de Jesus.
Hoje o terrorismo não será ele próprio uma verdadeira religião, com seus dogmas e seus acólitos?
Apesar do horizonte sombrio, não cabe o pessimismo e a descrença...
Até hoje, nós não tivemos instituições permanentes.
O Velho Testamento retrata o nosso primitivo aprendizado.
A Inquisição mostra que "as portas do Inferno prevaleceram" sobre as estruturas humanas do Templo.
O mal-entendido de colocar Pedro como "pedra" terminou na violência, em nome do próprio Cristo.
Jesus foi claro, quando disse:
"É inevitável que ocorram escândalos".
Mateus, 18 v 7.
A origem grega desta palavra "escândalos" mostra uma pedra enorme obstruindo o caminho da paz.
Num planeta onde a ambição predomina, é difícil ser sustentado pelas pernas trôpegas do homem.
O desejo de sobrepujar o concorrente terminou em guerra generalizada.
Neste caso, não podemos acalentar esperanças?
Estaremos fechados numa gaiola de trevas, dentro de um planeta condenado?
Não, meus amigos.
Há dois caminhos para libertação: o coletivo e o pessoal.
O caminho coletivo será a intervenção de Deus, no fim do ciclo.
O caminho pessoal é o nosso esforço para permanecermos no planeta, depois do Juízo Final.
O Sermão da Montanha é claro:
Só os "mansos herdarão a Terra".
Nós podemos fazer um pacto de não agressão com a natureza e com os seres humanos.
Albert Schweitzer, que recebeu o prêmio Nobel da Paz, em 1952, converteu-se à "não violência" por uma reação bastante inusitada.
Ele viajava de trenó, em pleno inverno, quando enorme cão o atacou.
Schweitzer, forte e másculo, não teve dúvidas.
Manobrou o chicote com perícia, e o animal foi ferido nos olhos.
Imaginem vocês: a dor de uma chicotada nos olhos...
Aquele cão furioso deve ter rolado na neve, ganindo como louco?
O próprio Schweitzer descreveu a experiência:
"O pobre animal rolou pela neve, contorcendo-se...
Eu o acertara de forma violenta e selvagem.
Ele uivava, desesperado.
Eu nunca enxergara máscara de igual sofrimento e dor.
Aquela cena mudou, totalmente, a minha vida.
Ali mesmo eu jurei: Jamais violentarei qualquer criatura!"
Albert Schweitzer foi para umas regiões mais pobres da África.
Fundou hospital, em Lambarene, e socorreu as criaturas mais sofridas do planeta: os habitantes da selva africana.

Muitas vezes, Deus precisa nos assustar para despertar a nossa consciência.
A máscara daquele cão violentado atingiu Schweitzer...
Cedo ou tarde, algo semelhante vai acontecer com todos nós.
O fato é que todos terão de entender: Desde o Presidente dos Estados Unidos até o mendigo que disputa vaga no cortiço:
A violência pode vencer; jamais ela convencerá, porém.
Usar esta linguagem talvez seja uma das maiores tarefas dos modernos pregadores.
A juventude dos nossos dias precisa saber que Jesus é muito maior do que Moisés e Salomão...
A juventude precisa saber que a Bíblia se torna ainda mais divina, quando a aceitamos também como obra humana.
Deus e os homens a escreveram.
O desafio é este: Entender este Pai Eterno, que tem sido permissivo para não ser cruel.
A Bíblia é o retrato desta relação tumultuada.
A violência morava no coração de Moisés.
Errado seria escondê-la.
O Velho Testamento não poderia ser um romance cor de rosa.
Seus personagens não tinham "cara" para este papel...
...os tempos eram outros.
Interpretando desta maneira, será mais fácil compreender a violência dentro da Bíblia...e fora dela.
Com a vinda de Jesus oficializou-se a "não violência".
O "dente por dente" tornou-se alternativa inválida.
Quem usá-lo estará na contramão da história: Será isto?
Sem dúvida nenhuma.
É uma das razões que acreditamos na aproximação dos "fins dos tempos".
Hoje, ninguém mais está seguro.
Crianças carregam armas para defesa pessoal, dentro das escolas.
Todos estão assustados.
O mundo inteiro está se fechando atrás de grades.
É necessário um grande esforço pessoal de cada ser humano, para desencavar o elo perdido.
Recordemos o Mestre Galileu pregando no remanso de Genezaré.
Dos seus lábios jorram palavras de amor e de perdão.
Sua doutrina é simples como aquelas crianças que brincam sobre as areias da praia.
"Amai-vos uns aos outros" - conclama o Nazareno.
No momento em que eu aprendo a olhar meu desafeto com simpatia, ele deixa de ser meu desafeto.
Envolvê-lo em orações será transformá-lo em amigo?
Numa região gelada do norte da Europa, viveu fazendeiro chamado Matias.
Durante todo o ano de 1936, ele recebeu visitas periódicas de uma ursa.
A fera depredou sua fazenda...
Alguns animais foram mortos...
...e o prejuízo foi se tornando insuportável.
Exatamente na véspera de natal, o capataz veio avisá-lo:
- A ursa foi vista no lago norte.
Matias muniu-se de espingarda, e partiu.
- Hoje, você não me escapa, disse baixinho.
Dali a pouco, ele viu a silhueta escura desenhar-se na ravina.
Quanto pode, o fazendeiro se aproximou.
Não queria errar o tiro.
- Deus, por favor, me ajude, balbuciou o caçador.
Mirou com extremo cuidado, e puxou o gatilho.
Infelizmente, porém, Matias errou o alvo.
O projétil desviou-se...e foi atingir o filhote da ursa, que estava perto da mãe.
Matias, com certeza, colocou novo projétil?
Não deu tempo.
Pressentindo o frio da morte, no hálito do filhote, a ursa fugiu.
Desapareceu na espessa vegetação.
Matias, contrariado, viu a mancha vermelha espalhar-se pela brancura da neve.
Um ano depois - 24 de dezembro de 1937 - outro aviso:
- A ursa voltara.
Estava lá, a poucos passos, nos arredores da casa grande.
Embora impressionado pela coincidência de data, outra vez véspera de natal, Matias aceitou o desafio insólito.
De arma na mão, partiu em busca do inimigo.
Não precisou caminhar muito.
Os olhos da fera o fitavam, no descampado da geleira branca.
O que não terá feito Matias para não errar desta vez?
Realmente, o momento foi de grande expectativa.
Sufocando o nervosismo, Matias mirou com extremo cuidado.
Neste momento, porém, algo terrível aconteceu.
Seu filhinho de quatro anos estava lá, correndo na trilha da ursa.
Matias, apavorado, jogou a espingarda no chão, e caíu de joelhos.
- Deus meu, por favor, salve meu filho!
Encostou o rosto na terra, sem ânimo para voltar os olhos ao palco da tragédia.
Na sua expectativa, já enxergava a criança estraçalhada, coberta de sangue.
E agora, como reverter a vantagem da ursa?
Como escapar da sua vingança?
Matias foi erguendo os olhos, devagar, e deparou cena insólita.
A ursa caminhava, lentamente, com a criança nos braços.
Ele a enxergou de perto, e não havia ferocidade em seus olhos.
Matias viu a fera se aproximar, e depositar a criança quase aos seus pés.
Ergueu-se de um salto, chorando e agradecendo a Deus.
A ursa já tinha sumido...
Ali mesmo, Matias fez um juramento:
- Meu Deus! De hoje em diante, eu jamais usarei arma.

Louvado seja Deus.

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