ABC das Carências Humanas

Data: segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

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O ser humano nasce e atravessa a vida sempre carente de alguma coisa.

Ninguém se iluda com a pose e a imponência de alguns espécimes da raça: É a mais pura e deslavada demagogia.

Aqueles gestos teatrais são feitos para fornecer a ilusão de que eles se tornaram figuras importantes no Reino de Deus.

Ninguém se engane com estas criaturas.

Elas estão forçando a barra, para que sejam consideradas do primeiro time, que joga na divisão principal.

É pura enganação.

Todos nós somos aprendizes.

Vocês já viram aqueles filhotes de pardais, no ninho, quando chega a comidinha?

Escutaram o barulho deles?

É fome! Eles estão esfomeados.

Aqueles passarinhos estão carentes, e todos aqueles sons estridentes não passam de manifestação destas carências.

Deixando de lado nosso tamanho, nós somos muito semelhantes aqueles pardais famintos.

Antes de nascer, ainda no ventre das mães, os seres humanos já manifestam necessidade de afago.

Alguém já disse que nós somos "bebês chorões" desde o nascimento até a morte.

Se vocês acompanharem a trajetória da raça humana, irão perceber uma súplica generalizada pela avaliação positiva.

Nós somos carentes até a raiz dos cabelos.

A Bíblia fala que existiu uma raça de gigantes.

" (...) naquele tempo havia gigantes na Terra. E também depois quando os filhos de Deus possuíram as filhas dos homens, elas lhes deram filhos. Estes foram valentes, varões de renome, em toda a antiguidade".

Gênesis, 6 v 4.

Eu tenho minhas dúvidas quanto ao mérito destes gigantes, uma vez que eles desapareceram.

É um sinal de que não eram tão fortes, como se faz acreditar.

Fortaleza para que seja vitoriosa precisa ser acompanhada de inteligência.

Isto revela o limite da grandeza destes seres, que a Bíblia aponta como "varões de renome".

- Tamanho não é documento, como diz o povo.

Nós somos obrigados a encarar os fatos com cautela, para conservar uma apreciação coerente da raça humana.

A generosidade de meus amigos muitas vezes me atribui qualidades que eu não tenho.

- O Getúlio é conhecedor profundo da Bíblia, dizem meus amigos, numa generosa apreciação do meu trabalho.

Invariavelmente, eu tenho respondido de forma negativa.

- Apesar de cinqüenta anos estudando, eu ainda me considero um aprendiz. Estou engatinhando no estudo, esta é a verdade. É muito grande o espaço que falta para que me considere um conhecedor.

A Bíblia é um livro surpreendente.

Muitos que afirmam conhecê-la de capa a capa, se perdem nas questões mais elementares.

Fica claro, portanto, que as carências humanas são enormes também neste terreno do conhecimento da Bíblia.

Nenhum de nós é gigante.

Não passamos todos de pigmeus.

Existe um abismo nos separando do pleno conhecimento tão desejado.

Uma coisa eu considero essencial, como lição primária:

A Bíblia não é Infalível em sua totalidade, como dizem por aí.

Palavra de Deus é o conjunto dos ensinamentos de Jesus e o que foi expresso por Deus, através dos profetas.

Então, nós identificamos a Bíblia escrita por Deus espalhada pelo Velho e Novo Testamento.

Ninguém despreze o Velho Testamento, porque nele encontramos preciosidades.

E nunca esqueçamos que o Velho Testamento é o princípio de tudo.

Os dois Testamentos são igualmente preciosos, na parte que expressam as idéias de Jesus e de Jeová.

Esta parte, em nosso entendimento, não admite reparos.

É o aspecto inviolável dos Livros Sagrados.

Palavras de Deus e de seu Cristo são eternas, a não ser que Eles as definam como temporárias e geograficamente localizadas.

A parte humana da Bíblia, porém, esta será sempre questionável.

Tudo o que foi dito pelos demais escritores terá que passar pelo crivo do gabarito.

E as palavras de Jesus são este gabarito avaliador.

É o Mestre quem vai dizer sim ou não.

Temos um exemplo valioso:

Inconformados, os fariseus tentaram confundir Nosso Rabi, evocando a figura de Moisés, que os judeus colocavam nas alturas:

"Por que Moisés mandou dar carta de divórcio e repudiar as mulheres?" Perguntaram eles.

E Jesus lhes disse: "Por causa da dureza dos vossos corações é que Moisés permitiu que repudiásseis vossas mulheres(...)".

Mateus, 19 vv 3 a 8.

Percebam que o preceito mosaico foi decretado por uma imposição do cônjuge mais poderoso.

"A dureza de coração" ditando a lei pela força.

Se esta legislação emanasse de Deus, por certo ela não se curvaria aos humores e caprichos da criatura.

Cara enfezada jamais assustaria Jeová.

Esta lei só pode ter sido inspirada por alguém humano.

Se fosse concebida pela Justiça Divina jamais cederia terreno diante da "dureza de coração".

Os preceitos desta parte da Bíblia escrita pelo homem - Moisés - são vulneráveis e carentes quanto nós somos vulneráveis e carentes.

Por isso não temos dúvidas em afirmar que as Escrituras foram escritas a quatro mãos.

A Bíblia foi escrita por Deus e também pelos homens.

Temos outro episódio que revela conflito entre a maneira divina e a maneira humana ambas constante da Bíblia.

"Repreendei os pecadores, em público, na presença de todos, a fim de inspirar medo aos outros", diz o apóstolo Paulo, em I Timóteo, 5 v 20.

Prestem atenção na recomendação de Jesus, para resolver um problema idêntico:

"Se o vosso irmão pecou repreendei-o, entre vós e ele, tão somente. Se ele vos ouvir, ganhastes o vosso irmão".

Mateus, 18 v 15. Palavras de Jesus.

Desde os tempos que defendia a Sinagoga, Paulo sempre fora um disciplinador implacável.

Este mesmo estilo autoritário foi usado por ele, para escrever a parte que lhe cabia nas Escrituras.

Vejam que o estilo de Paulo é diferente do estilo do Nosso Rabi.

Os dois determinam soluções diametralmente opostas.

Por que?

Ora, pelo fato de que Paulo representa a porção humana.

No lado oposto encontramos Jesus que é legítimo intérprete da parte Divina que escreveu a Bíblia.

Acreditamos na infalibilidade de Deus e do seu Cristo, quando suas palavras aparecem nas Escrituras.

Se Deus ou Jesus falasse diretamente comigo, eu iria acreditar sem nenhuma sombra de dúvida.

Quando Eles nos falam, indiretamente, pelos Livros Sagrados, isto deve ser digno de toda atenção e crédito.

Quanto aos demais escritos, nós somos obrigados a colocá-los de quarentena, esperando comprovação pelo gabarito das palavras de Jesus.

Criaturas carentes, de carne e osso como nós, não podem ditar normas de conduta para os Filhos de Deus.

Alguém poderá lembrar a inspiração do Espírito Santo.

Concordamos com ela, e a acrescentamos na avaliação.

Não podemos aceitar, todavia, quando a palavra do escritor é contrária à doutrina exposta no Evangelho.

Neste caso, com certeza, não houve interferência do Espírito Santo.

Os profetas antigos são preservados no momento em que estão em transe, recebendo por vias mediúnicas a mensagem de Deus.

Fora deste palco, eles podem ser tão carentes quanto nós.

E poderemos provar esta realidade pela Bíblia:

Temos uma pisada na bola do extraordinário profeta Eliseu, o qual, não fora este episódio, foi responsável por ações meritórias.

Escutem com atenção:

Eliseu "caminhava, tranqüilo, pelos arredores da cidade, quando um grupo de rapazes começou a zombar dele: Sobe calvo, sobe calvo, sobe calvo".

Se Eliseu estivesse afinado com a doutrina do Cristo, qual deveria ser a sua atitude?

Simplesmente seguir caminho, vocês não acham?

Pois não foi o que aconteceu.

O texto diz "que Eliseu encarou os meninos, e, em nome de Deus, lançou maldição sobre eles".

E eu pergunto:

Justifica-se uma agressão deste tamanho, agravada pelo fato de que ocorreu em nome de Deus?

Pois saibam que o texto da Bíblia nos revela o resultado da maldição:

"Duas ursas apareceram do bosque e despedaçaram quarenta e dois rapazes".

Esta história se encontra em II Reis, 2 vv 23 e 24.

Enquanto profeta, como instrumento a serviço do Alto, Eliseu é preservado.

Fora daqueles compromissos, todavia, ele se torna carente como outro qualquer.

O profeta perde a imunidade: Por isso, Eliseu pisou na bola.

Este fato ocorrido em sua vida particular não serve de exemplo para ninguém.

É outro texto que faz parte da humanidade das Escrituras.

Considerando esta atitude violenta de Eliseu, ninguém poderá dizer que a Bíblia é lição divina em todas as páginas.

Esta falsidade poderá indispor você com pessoas íntegras.

Ninguém estará disposto a engolir gato por lebre.

Muita atenção, meus caros: Este alguém que diz que a Bíblia é lição, em todas as páginas, está tentando enganar você.

A violência será sempre contrária ao Evangelho.

Eliseu foi violento? Então não podemos apontá-lo como persona grata.

Alguém poderá me questionar:

- Concordamos com você, Getúlio, mas queremos saber onde se encontra no Evangelho a contrapartida desta atitude de Eliseu.

Você estará em condições de apontar o outro lado da moeda?

Sim! Vamos lá:

Lucas é o narrador deste episódio:

"Os discípulos de Jesus entraram numa aldeia de samaritanos, em busca de hospedagem. Estes não quiseram recebê-los, porque os identificaram como judeus".

Aquilo causou enorme alvoroço entre os seguidores de Jesus.

"E os discípulos Tiago e João, indignados, perguntaram: Se tu quiseres, nós mandaremos descer fogo do Céu para consumi-los? Jesus, porém, voltando-se os repreendeu. E o grupo seguiu para outra aldeia".

Este episódio se encontra em Lucas, 9 vv.52 a 56.

É a contrapartida da fúria injustificável de Eliseu.

Felizmente, nós temos um gabarito para descobrir o que vem de Deus e o que nos chega das carências humanas.

Esta é a mensagem verdadeira que não pode pactuar com nenhuma violência.

Toda a perversidade é manifestação do anti-Cristo!

Se algum personagem da Bíblia agride, este alguém está contra Deus, e pronto. Seja quem for.

Só Deus e o seu Cristo são detentores do poder, nos Céus e na Terra.

O próprio Jesus disse que a "carne é fraca".

Se eu abrir crédito para utilizar a totalidade do que escreveu Salomão - como modelo de conduta - estarei no mato sem cachorro.

Acaso não foi esta criatura que tinha um harém de mil mulheres?

Será este o professor adequado para nos ensinar alguma coisa?

Estes dias, eu recebi a visita de uma mocinha, acompanhada de um rapaz, dispostos a me converter à religião deles.

A primeira pergunta que me fizeram foi:

- O senhor acredita que toda a Bíblia é um compêndio para ensinar e edificar as criaturas humanas?

De imediato, eu respondi:

- Não! Eu não acredito! Antes pelo contrário. Na parte humana da Bíblia existem coisas que, se fosse possível, eu esconderia das crianças.

Portanto, fique claro:

A parte divina da Bíblia é o máximo.

A parte humana, todavia, depende de seleção pelo gabarito do Evangelho..

Esta parte é ótima, esta é boa, esta outra é péssima.

Entre as péssimas, eu cito, como exemplo, palavras indecentes proferidas por Moisés:

"Matai todos os machos, ainda que sejam crianças, degolai as mulheres (...) mas reservai para vós as meninas e as donzelas".

Números, 31 vv 17 e 18.

Em sã consciência, deixando de lado o espírito de seita, vocês acham crível alguém considerar este lado humano da Bíblia como lição?

Fico estarrecido de que existam religiões aceitando toda a Bíblia como compêndio de cultura cristã.

Moisés que desculpe o desabafo, mas o que ele determinou é uma excrescência.

É tão indecente que até fede.

Se eu não dividir as Escrituras em duas porções - humana e divina - estarei no "mato sem cachorro".

Como eu sustentaria num debate que a Bíblia é educativa desde o Gênesis até o Apocalipse?

Se vocês acham que é possível instruir alguém com as palavras proferidas por Moisés, eu fico preocupado com a saúde das almas de vocês.

Moisés publicou incentivo aos filiados de uma quadrilha de pedófilos.

Isto deveria constar de manuais de divulgação do crime; na Bíblia - jamais!.

Esta parte humana das Escrituras mostra, de maneira bastante clara, que nós temos muito que aprender.

Tenho procurado ser realista e coerente, na minha pregação.

Por isso não posso concordar que todas as partes da Bíblia servem para ensinar.

Confio nas palavras pronunciadas por Jeová, transmitidas pela boca dos profetas antigos.

Confio de todo o coração nos ensinamentos de Jesus, contidos nos Evangelhos.

Ninguém me obrigará, porém, aceitar preceitos esdrúxulos trazidos pela mente pervertida de Salomão, somente pelo fato de que consta na Bíblia.

Jesus foi muito claro quando apontou a causa das carências e fraquezas de todos nós, incluindo escritores dos livros sagrados:

"Vós sois cá de baixo, Eu sou lá de cima. Vós sois deste mundo. Eu deste mundo não sou".

João, 8 v 23.

Está explicado: Jesus não é farinha do mesmo saco em que nós nos encontramos.

O Nosso Rabi se encontra muitos milhões de anos adiante de nós, em matéria de aperfeiçoamento.

Ele chegou à perfeição: Por isso é chamado Cristo!

Jesus é uma estrela de primeira grandeza no Reino do Pai Eterno.

Nós somos átomos de poeira.

Jesus pertence ao Sétimo Céu, depois de ter ultrapassado todos os degraus da escada.

Nós somos fracos e carentes.

O Grande Mestre se encontra à direita de Deus, no trono da Glória.

Ele é o único terráqueo completamente livre de pecado.

Foi o Nosso Rabi quem afirmou:

"Ninguém subiu ao Céu senão aquele que desceu do Céu, a saber o Filho do Homem".

João, 3 v 13.

As religiões vivem proclamando que figuras bíblicas se encontram no Céu.

Não é verdade.

É o Grande Mestre quem disse que somente Ele teve condições para freqüentar o Paraíso. .

O Sétimo Céu é morada de espíritos perfeitos.

No âmbito dos terráqueos, Jesus foi o único que alcançou esta glória.

Todos os demais seres humanos são carentes e problemáticos.

Nunca esqueçam da citação que fizemos há poucos minutos:

"Vós sois cá de baixo. Eu sou lá de cima".

Palavras de Jesus em João, 8 v 23.

Quando Abraão apareceu, na Parábola do Rico e do Lázaro, ele se encontrava numa daquelas colônias espirituais na periferia da Terra.

As palavras de Jesus negam que ele estivesse no Sétimo Céu.

Todos nós somos cá de baixo.

Vejamos o caso de João Batista, que foi considerado por Jesus como o "maior nascido de mulher".

Alguém poderá afirmar, afoitamente, que o Batista se encontra no Sétimo Céu.

As entrelinhas do Evangelho apontam que isto não é verdade.

As palavras de Jesus são bastante elucidativas:

"Entre os nascidos de mulher ninguém é maior do que João; mas o menor no Reino de Deus é maior do que ele".

Lucas, 7 v 28.

Se o Batista era suplente do menor que estava no Céu, isto mostra que ele não estava lá.

Se ele estivesse no Paraíso - ele seria o menor, e não o outro.

Conseqüentemente, se Jesus apontou alguém menor, João Batista estava fora do Sétimo Céu.

A última vaga pertencia aquele que era pouco maior que ele.

- Elementar, meu caro Watson: Elementar!

É a linguagem das entrelinhas.

Como Abraão e todos os demais personagens da Bíblia, João Batista também é hóspede de colônias espirituais em volta da Terra.

Você já pensou alguém despreparado enfrentar a ordem, o asseio, o sossego e a tranqüilidade do Céu?

Tudo limpo, perfumado, verdadeiro requinte, com música de fundo e palavras nobres escapadas de cornijas escondidas no alto das portas.

Pregações utilizando conceitos elevados, diálogos de exaltação divina, músicas celestiais - tudo acontecendo na morada dos anjos.

Em síntese: Ambiente refinado de um verdadeiro templo!

Para o ser imperfeito, desacostumado com a perfeição, aquele ambiente se transformaria num Céu Infernal.

Não ficaríamos à vontade no Paraíso.

Acharíamos falta da conversa com nossos irmãos da Terra.

Clamaríamos a Deus para que nos devolvesse ao nosso mundo.

Felizmente, o Pai Eterno só nos convocará quando estivermos prontos.

Precisaremos evoluir para ombrear com luminares da espiritualidade.

Ninguém se iluda de que o Pai Celestial irá revogar a lei do livre arbítrio, e nos tornar santos de um minuto p'ra outro.

Se o Cristo possuísse esta bolsa de favores teria beneficiado seu precursor - João Batista.

Ninguém esqueça que o Batista ficou fora do Céu, quando o último dos titulares era "maior" do ele.

Se Jesus não o favoreceu seu amigo é evidente que tal coisa não fazia parte dos planos do Altíssimo.

O Pai Celestial com certeza está nos dizendo:

- Cresça e apareça: Evolua e você será recebido na minha Casa.

Eu tenho no meu banco de dados um depoimento patético de um rapaz, discorrendo sobre as mãos do seu pai.

Bertoldo Costa, mineiro de Belo Horizonte, evoca, emocionado, a figura de um homem forte chamado José Alves Costa.

- As mãos de meu pai, explicava Bertoldo, eram fortes e ao mesmo tempo delicadas.

Ele podava árvores com a mesma firmeza com que domava égua teimosa.

Era capaz de desenhar um quadrado, sem apoio, e serrá-lo com perfeição de artista.

- O que eu recordo com mais emoção, porém, era o calor das suas mãos quando me segurava pelos ombros e apontava um falcão lá no alto.

Suas mãos prestativas haviam proporcionado a ele boas conquistas, menos uma: Meu pai não sabia escrever nem ler, lamentou Bertoldo.

Naquele tempo, como castigo, o aluno recebia meia dúzia de fortes golpes de régua nas palmas das mãos.

As formas das letras e os números não faziam sentido na cabeça loura daquele menino de seis anos.

Talvez a dislexia fosse o verdadeiro problema: Quem sabe?

O fato é que o pai dele, cansado de tantas reclamações, viu-se obrigado a retirá-lo da escola.

Minha mãe, que completara o primário, tentou alfabetizá-lo, explicou Bertoldo.

Mas também ela não conseguiu iluminar a escuridão da sua mente.

Bertoldo fez o possível, movendo seus punhos pesados, pelo menos para treiná-lo a desenhar o nome.

Tudo em vão.

O velho se submetia aos vexames, mas, logo depois, dominado por crise nervosa, desistia.

Flexionando os dedos e esfregando as palmas das mãos, ele dizia - basta! - e se afastava para longo passeio.

Certa tarde, sorrateiramente, ele carregou livro de segundo ano, e seguiu na direção do paiol.

Ficou preso na visão daquelas misteriosas formas, e o desespero tomou conta de sua alma:

- Meu Deus! Nem mesmo um livro de criança, bradou, desesperado.

Então, pendeu a cabeça, e encharcou a página do livro com suas lágrimas.

Depois desta cena, José Alves Costa jamais voltou a tratar do assunto.

Uma noite, papai chegou feliz com pacote de compras.

- Comprei maçãs que você tanto gosta, filho.

Ao abrir a lata, porém, o rosto do velho entristeceu. Outro engano!

No rotulo pareciam maçãs, mas não eram. Estava escrito: batatas descascadas inteiras.

Outra vez, aquele homem sofria com sua limitação.

E ele foi ficando cada vez mais solitário.

O filho casou e foi obrigado a morar em São Paulo: Ele se recusou a acompanhar o rapaz.

O Dr.Antunes tranqüilizou Bertoldo: Receitei tabletes de nitroglicerina, e isto lhe dará tempo para procurar eventual socorro.

Um mês depois, os vizinhos encontraram o velho morto, no quintal.

Bertoldo foi ver o lugar onde tombara o pai, e encontrou o frasco.

Ele lutara desesperado para abrir a embalagem, mas fora em vão.

Estava escrito: Tampa de Segurança. Para abrir, empurre para baixo e torça. Tão fácil para alguém que sabe ler.

No ABC das carências humanas, José Alves Costa perdera a batalha.

Oxalá possa ele acordar descobrindo o mistério das letras.

Louvado Seja Deus.



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